Estima-se que as complicações de feridas cirúrgicas (CFC) sejam uma das principais causas a nível mundial de morbidade após a cirurgia, sendo que a mortalidade afeta 1-4 % dos doentes após a cirurgia gastrointestinal (Pearse et al, 2012; Collaborative GS, 2017). A Lancet Commission on Global Surgery estima que mais de metade dos 4,2 milhões de mortes pós-operatórias por ano ocorre em países de rendimento médio e baixo (PRMB; GBD, 2017). A redução das CFC requer não só uma expansão dos serviços nos PRMB mas também a atribuição de prioridade à investigação destinada a intervenções cirúrgicas mais seguras e com menos complicações evitáveis (Nepogodiev et al, 2019). Além disso, o impacto das CFC nos doentes e familiares é considerável e não difere da situação dos que sofrem de feridas crónicas.
Apesar dos consideráveis avanços nas técnicas cirúrgicas, na prática intraoperatória, de uma grande variedade de pensos para feridas e de uma melhor compreensão do tratamento de feridas, as CFC continuam a ser um desafio para os clínicos e investigadores em todo o mundo. As evidências sugerem que as CFC são o tipo de feridas mais comummente tratadas em alguns locais de cuidados clínicos, mais do que as lesões por pressão e outros tipos de feridas (McIsaac, 2007; Mulligan et al, 2011; Sandy-Hodgetts et al, 2016; Guest et al, 2018).
Embora tenha havido investigação considerável conduzida na prevenção e no tratamento da infeção do local cirúrgico (ILC), precisamos de alargar a nossa visão para incluir todos os tipos de CFC, tais como deiscência, onde a infeção está ausente da complicação. O Internacional Surgical Wound Complications Advisory Panel (ISWCAP) identificou lacunas importantes na nossa compreensão da prevenção e gestão das CFC, a fim de melhorar os resultados dos doentes após a cirurgia. Após a sua constituição na Austrália durante 2018, a Presidente do ISWCAP reuniu um grupo de peritos da Europa, América do Norte, Ásia e Emirados Árabes Unidos em outubro de 2019 para desenvolver recomendações internacionalmente reconhecidas para a identificação precoce e prevenção das CFC.
A declaração de boas práticas, um dos objetivos estratégicos do ISWCAP, surgiu de um inquérito dos membros numa variedade de locais de cuidados a doentes em mais de 20 países. Os inquiridos deram a sua opinião sobre o estado atual das CFC e os desafios encontrados na sua região do mundo. Além disso, uma análise da literatura disponível sobre as CFC identificou lacunas no conhecimento sobre o assunto. A investigação identificou os fatores de risco para as ILC; contudo, podem ocorrer complicações sem infeção.
É necessário um novo paradigma, que desafie a noção de que todas as complicações estão relacionadas com a infeção. Além disso, uma visão centrada no doente alargará o âmbito da identificação precoce e prevenção das CFC. Uma maior compreensão da identificação precoce e da prevenção melhorará os resultados para os doentes. Este tema é consistente em todas estas recomendações de boas práticas.
A utilização de plataformas digitais atuais facilita a comunicação entre equipas multidisciplinares e envolve os doentes, capacitando-os para participarem ativamente nas suas decisões em matéria de cuidados de saúde. Com a utilização das plataformas digitais, a identificação precoce de uma CFC pode permitir uma intervenção precoce e travar a escalada de uma complicação da ferida para consequências mais graves.
Dra. Kylie Sandy-Hodgetts, Presidente do ISWCAP